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A fiança e o projeto de alteração no Código Civil

  • Foto do escritor: José Eduardo Berto Galdiano
    José Eduardo Berto Galdiano
  • 8 de mai.
  • 9 min de leitura

Desde 31/01/2025, encontra-se em tramitação no Senado federal o Projeto de Lei n.º 4 de 2025, que dispõe sobre a atualização do Código Civil e legislação correlata.


O Projeto contempla a alteração de quase 900 artigos e adição de outros 300, com previsão de modificação em praticamente todas as áreas do direito civil.


Só em relação à fiança, dos 21 artigos que disciplinam a matéria atualmente (arts. 818 a 839), são 9 alterações, 1 revogação e 3 novos dispositivos (823-A, 836-A e 836-B), conforme tabela comparativa abaixo.


Abordaremos neste breve texto apenas algumas dessas pretensas alterações, as quais, assim como todo o texto em geral, ainda passarão por diversas discussões e, uma vez aprovadas no Senado, serão revisadas pela Câmara dos Deputados antes da submissão do Projeto à sanção presidencial.


Entre as inovações, tem-se o art. 823-A, segundo o qual os contratantes podem fixar sobre que parte do patrimônio do fiador recairá o poder de excussão do credor. Isso significa que, além de a fiança poder se limitar a uma parte da obrigação (como já ocorre no regime atual), a própria responsabilidade do fiador pode ficar restrita a determinados bens.


Trata-se de mudança que pode ampliar a concessão de fianças (e, assim, favorecer a concretização de contratos), uma vez que o fiador, com aceitação do credor, poderá afetar determinados bens (e não seu patrimônio integral) em prol da garantia de determinados negócios. 


Outra alteração digna de nota é o acréscimo do parágrafo único ao artigo 828, cuja redação atual (mantida pelo Projeto) afasta a possibilidade de invocação do benefício de ordem (exigência de que primeiro sejam executados bens do devedor) em caso de cláusulas de renúncia expressa a esse benefício ou de assunção de responsabilidade solidária pelo fiador.


Tais cláusulas são muito comuns, por exemplo, em contratos de mútuo firmados com instituições financeiras, como forma de potencializar a garantia do credor. A jurisprudência já as considera nula por abusividade e contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor, porém com certa variação caso a caso. Na hipótese de a pretensa alteração ser aprovada, a nulidade passará a decorrer automaticamente da lei, dispensando maiores discussões a esse respeito.


Nessa mesma linha de defesa da posição do fiador, o Projeto acrescenta dois parágrafos ao artigo 835, que, de forma curiosamente desconhecida por muitos que prestam fiança, permite atualmente ao fiador exonerar-se “sempre que lhe convier” da fiança sem prazo determinado, permanecendo como responsável apenas por sessenta dias após a notificação a esse respeito.


Muitas situações práticas do dia a dia justificam a exoneração da fiança, como, por exemplo, a de quem presta a garantia em favor da sociedade na condição de sócio, mas vem posteriormente a retirar-se dos quadros sociais da empresa; ou a de quem presta a fiança na qualidade de cônjuge, mas vem posteriormente a se divorciar.


Também aqui é comum verificar previsão de renúncia a esse direito do fiador, o que é igualmente coibido pela jurisprudência, que geralmente entende serem abusivas e nulas previsões nesse sentido. O novo parágrafo primeiro do artigo 835, tal como previsto pelo Projeto, visa justamente positivar tal entendimento jurisprudencial, prevendo a nulidade absoluta da renúncia ao direito de exoneração. Em contrapartida, o parágrafo segundo permite a dilação do prazo de responsabilidade posterior à renúncia, mas limitando-o para o máximo de cento e vinte dias.


Por fim, vale destacar os inéditos arts. 836-A e 836-B previstos no Projeto, que seguem idêntica linha de proteção à figura do fiador.


Segundo a redação de tais dispositivos, o credor tem o prazo máximo de noventa dias para comunicar ao fiador que o devedor inadimpliu total ou parcial da dívida, bem como para adotar medidas efetivas de cobrança. Caso o credor assim não faça, o fiador ficará automaticamente exonerado dos encargos acessórios incidentes após o transcurso de tal prazo e poderá cobrar, em substituição processual do credor, diretamente o devedor a fim de buscar a extinção da dívida.


Evidentemente, o Projeto está em fase inicial de tramitação e sofrerá muitas alterações. Por ora, ao menos em relação aos pontos comentados acima a respeito da fiança, vislumbra-se avanço nas alterações projetadas, com a positivação de entendimentos jurisprudenciais consolidados em relação à proteção do fiador, o que pode gerar a um só tempo segurança jurídica e redução da discussão judicial de tais questões.

 

Código Civil

Projeto de Lei 4 de 2025

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

“Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor.

 

Parágrafo único. O contrato de seguro-fiança e a fiança bancária são celebrados entre o credor e o fiador, aplicando-se os dispositivos a seguir apenas no que couber.”

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

 

Art. 820. Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade.

 

Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.

 

 

Art. 822. Não sendo limitada, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive as despesas judiciais, desde a citação do fiador.

 

 

Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até ao limite da obrigação afiançada.

 

“Art. 823. A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas e, quando exceder o valor da dívida ou for mais onerosa que ela, não será eficaz senão até ao limite da obrigação afiançada.”

 

“Art. 823-A. Os contratantes podem fixar sobre que parte do patrimônio do fiador recairá o poder de excussão do credor.”

Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

 

Parágrafo único. A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a menor.

“Art. 824. As obrigações nulas não são suscetíveis de fiança, exceto se a nulidade resultar apenas de incapacidade pessoal do devedor.

 

§ 1º A exceção estabelecida neste artigo não abrange o caso de mútuo feito a criança ou adolescente.

 

§ 2º As obrigações oriundas da invalidação ou da declaração de ineficácia da obrigação podem ser objeto de fiança, desde que haja estipulação expressa que indique o valor máximo a ser garantido.”

Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança, e não possua bens suficientes para cumprir a obrigação.

 

“Art. 825. Quando alguém houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo, se não for pessoa idônea, domiciliada no território nacional em que tenha de prestar a fiança nem poderá aceitar a garantia dada por quem, comprovadamente, o credor sabia ou deveria saber, não possuía bens penhoráveis suficientes para cumprir a obrigação.”

Art. 826. Se o fiador se tornar insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído.

 

 

Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

 

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

 

“Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiramente executados os bens do devedor. Parágrafo único. .....................................................................”

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:

 

I - se ele o renunciou expressamente;

 

II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;

 

III - se o devedor for insolvente, ou falido.

“Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador, se:

 

I - ele o renunciou expressamente;

 

II - obrigou-se como principal pagador ou devedor solidário;

 

III - o devedor for insolvente ou falido.

 

Parágrafo único. Em contratos de adesão, são nulas de pleno direito as cláusulas de renúncia ao benefício de ordem ou de imposição de solidariedade ao fiador.”

Art. 829. A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão.

 

Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.

“Art. 829. Revogado.”

Art. 830. Cada fiador pode fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais obrigado.

 

 

Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota.

 

Parágrafo único. A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros.

“Art. 831. O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor.

 

§ 1º A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros fiadores.

 

§ 2º O fiador só poderá voltar-se contra cada um dos outros fiadores na proporção de suas respectivas quotas.

 

§ 3º No caso de a obrigação principal ser solidária, o fiador pode voltar-se contra cada um dos codevedores solidários pela dívida inteira.

 

§ 4º O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, preferencialmente, situados no mesmo município, livres e desembaraçados, quantos bastem para solver o débito.”

Art. 832. O devedor responde também perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar, e pelos que sofrer em razão da fiança.

 

 

Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora.

 

 

Art. 834. Quando o credor, sem justa causa, demorar a execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento.

 

 

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.

 

“Art. 835. ...........................................................

 

§ 1º A renúncia pelo fiador do direito de que trata este artigo é nula de pleno direito

 

§ 2º Permite-se às partes estipularem prazo superior ao indicado no caput deste artigo, desde que não ultrapasse cento e vinte dias.”

Art. 836. A obrigação do fiador passa aos herdeiros; mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não pode ultrapassar as forças da herança.

 

“Art. 836-A. No prazo máximo de noventa dias do inadimplemento da dívida ou de parcela desta, o credor é obrigado:

 

I - a comunicar o fato ao fiador, admitido o uso de canal eletrônico de comunicação indicado no contrato de fiança;

 

II - a adotar medidas efetivas de cobrança da dívida.

 

Parágrafo único. No caso de descumprimento ao disposto no caput deste artigo, o fiador ficará exonerado dos encargos acessórios incidentes após o transcurso do prazo.”

 

“Art. 836-B. Constitui direito do fiador agir em seu nome próprio mas no interesse do credor, na cobrança da dívida, desde que o credor não tenha iniciado nenhum procedimento contra o devedor, após noventa dias do inadimplemento da dívida.

 

§ 1º O credor será intimado, no início do procedimento de cobrança, antes da citação do devedor, sendo admitido que ingresse como parte ao lado do autor, ou se este consentir, em seu lugar independentemente do consentimento da parte contrária.

 

§ 2º O fiador deverá levantar os valores obtidos no procedimento de cobrança, na hipótese de inércia do credor, situação em que se sub-rogará nos deveres do devedor, até o limite do valor levantado.

 

§ 3º Entende-se por procedimento de cobrança previsto neste artigo qualquer medida que siga as vias judiciais ou extrajudiciais admitidas pelo ordenamento para a expropriação de bens do devedor, com finalidade de solver a dívida.”

Art. 837. O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as extintivas da obrigação que competem ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a pessoa menor.

 

 

Art. 838. O fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado:

 

I - se, sem consentimento seu, o credor conceder moratória ao devedor;

 

II - se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos seus direitos e preferências;

 

III - se o credor, em pagamento da dívida, aceitar amigavelmente do devedor objeto diverso do que este era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção.

“Art. 838. ................................................................................: ..................................................................................

 

III - nos casos de dação em pagamento, ainda que a coisa dada depois venha a ser perdida por evicção judicial ou extrajudicial;

 

IV - se o credor violar dever legal impositivo na oferta e na concessão do crédito;

 

V - se houver alteração da obrigação principal sem consentimento do fiador.

 

Parágrafo único. A extinção da fiança nas hipóteses deste artigo é automática e prevalece sobre qualquer prazo legal ou contratual de sua subsistência após a resilição unilateral.”

Art. 839. Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

 

 

 

 
 
 

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